Jorge Sampaio deixa ao mundo um legado precioso e a esperança na relevância dos nossos esforços

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Jorge Sampaio foi um dos membros fundadores da Comissão Global de Política sobre Drogas e um fervoroso apologista da reforma da política de drogas.

Ao longo da sua vida, Jorge provou ser um incansável defensor dos direitos humanos, da paz e da liberdade. Foi um estudante destemido e apaixonado na luta dos anos 60 contra a ditadura de Salazar, um jovem advogado que defendeu ativamente os presos políticos, um presidente da câmara disposto a promover e realizar mudanças sociais, um líder político que incitou reformas audaciosas de luta pela democracia, incluindo a liberdade de Timor-Leste, e um diplomata respeitado na comunidade internacional.

Logo após a sua eleição como Presidente da República Portuguesa em 1996, Jorge Sampaio apelou à criação de uma comissão nacional de política de drogas assinalando o início do debate que conduziu ao processo de reforma da política de drogas no país. Alguns anos mais tarde, em 2000, durante a campanha para o seu segundo mandato, e demonstrando uma coragem excecional, Jorge Sampaio promulgou uma lei descriminalizando o consumo de todas as drogas ilícitas, uma medida que tinha definido como essencial para a redução de danos causados pelo consumo de droga e permitir uma melhor reinserção social dos mais vulneráveis.

Foi sob a liderança de Sampaio que Portugal se tornou o primeiro país a descriminalizar legalmente a posse para uso e consumo pessoal de drogas definidas como ilegais pelo regime internacional de controlo de drogas. Em vez de serem detidas, as pessoas apanhadas com uma quantidade destinada ao consumo pessoal são redirecionadas para uma comissão local composta por um médico, um advogado e um assistente social, para discutir, caso a caso, as soluções mais adequadas de tratamento, redução de danos e serviços de apoio social.

Desde então, Portugal tem estado no centro do debate sobre a política de drogas. Os defensores de abordagens repressivas ultrapassadas tentaram contestar, sem sucesso, a eficácia das políticas portuguesas. Mas a verdade é que, nas últimas décadas, Portugal registou quedas drásticas no consumo problemático de drogas, nas taxas de infeção por VIH e hepatite, nas mortes por overdose, na criminalidade associada às drogas e nas taxas de encarceramento. Também na linguagem utilizada se registaram progressos: de “toxicodependentes” a “pessoas que usam drogas ou “com dependência de substâncias”.

Tornar-se membro da Comissão Global de Política sobre Drogas foi um passo natural para Jorge Sampaio. Juntos, progredimos nas nossas mensagens e reforçámos as nossas convicções quanto à necessidade de reformas.

Enquanto Comissário Global, e para além das reformas implementadas pelo seu país, Sampaio lembrava continuamente aos seus compatriotas que não havia lugar para complacência. Apelou à necessidade de melhorar o acesso aos serviços de redução de danos, incluindo a abertura de instalações de consumo e teste de drogas, e de garantir o acesso a antídotos para a overdose. Acreditava firmemente que as drogas deveriam ser regulamentadas pelo Estado, num esforço para orientar as pessoas no sentido de fazerem escolhas mais responsáveis e menos prejudiciais, sendo essa a única forma de enfraquecer os grupos de crime organizado.

Jorge Sampaio era um homem de muitas virtudes. Títulos nunca o impressionaram ou mudaram. Carregava sempre consigo a rara e sincera humildade que nos impressionaria a todos.

Ao lamentarmos a morte do nosso colega Comissário, lembramo-nos do grande homem que foi e estamos gratos pelo precioso legado que Jorge nos deixa. O seu legado ficará e continuará a inspirar-nos a todos na nossa demanda por um mundo mais justo e inclusivo.