É tempo de Portugal inspirar a União

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A partir de 1 de janeiro de 2021, Portugal presidirá ao Conselho da União Europeia durante seis meses. O seu mandato surge num momento em que a UE acaba de aprovar uma nova estratégia em matéria de drogas para os próximos cinco anos. Por isso, é oportuno que um país corajoso e pragmático em relação a estas questões se encontre ao seu leme.

Durante a última Presidência portuguesa do Conselho, em 2000, o país era liderado pelo meu colega Comissário Global de Políticas sobre Drogas, o ex-Presidente Jorge Sampaio, e o então primeiro-ministro António Guterres, atual secretário-geral das Nações Unidas. Portugal estava prestes a tornar-se pioneiro na reforma da política de drogas ao descriminalizar de facto a posse de pequenas quantidades e assegurar que as pessoas que usavam drogas no país não se tornassem danos colaterais da chamada “guerra contra as drogas”.

Quando as reformas estavam em curso, os opositores insinuaram que o país se tornaria num antro de drogas e que a dependência e o crime iriam disparar. Mas pelo contrário, duas décadas de evidência acumulada mostram que a estratégia portuguesa foi um sucesso. O país conseguiu que a sua taxa de mortalidade relacionada com as drogas, uma das mais elevadas da Europa Ocidental, se tornasse numa das mais baixas.

Porém, embora esse sucesso tenha sido reconhecido e celebrado a nível internacional, foi menos aclamado a nível da UE, onde se depara com abordagens menos pragmáticas em matéria de drogas.

Na melhor das hipóteses, a União Europeia considera que, em geral, essas políticas são humanas e centradas nas pessoas. Em relação a substâncias psicoativas legais, como o álcool e o tabaco, a UE introduziu cuidadosamente regulamentações e protocolos para mitigar os danos por elas causados. No entanto, a maioria dos países da UE continua a tratar as outras drogas de forma muito diferente.

A ideia de que uma postura repressiva em relação às drogas assusta e dissuade consumidores continua a estar amplamente difundida, apesar de a realidade demonstrar que a criminalização do uso e da posse tem efeitos adversos nos indivíduos e nas sociedades.

Portugal pode agora assumir a liderança a nível regional, procurando reajustar o foco dos mecanismos europeus de coordenação em matéria de drogas e colocando questões difíceis que apontem para o fracasso das abordagens repressivas.

As suas experiências pragmáticas e bem-sucedidas de tratamento das drogas como um assunto social e de saúde, em vez de criminal, assim como um valioso conjunto de boas práticas de outros pontos da União, são dignas de ser replicadas. Espera-se que a Presidência portuguesa do Conselho Europeu possa ser o catalisador para a tão necessária revisão e mudança da abordagem da União Europeia à política de drogas.